quarta-feira, 1 de abril de 2015

Louco! (revisão)

Republicando um texto antigo que gosto muito, feito de forma incoerente, um experimento na época para mim. Está entre os meus preferidos, tanto por conta da sua despretensão de ser algo sério e definido, quanto por eu ter me divertido muito escrevendo (e agora relendo). Espero que gostem tanto quanto eu. Foi uma tentativa de "soar" psicodélico (sem o uso de drogas). Eu diria que é um texto bonachão!


O dia vinha chegando, não, na verdade, o dia já se tinha ido. Louco varrido e desvairado, mal tive tempo de olhá-lo nos olhos, e que olhos eram estes! Todo louco tem um quê de pirado. Não, todo doido tem um quê de abstrato. Em que categoria me encaixo? Na de quebra-cabeça sem peças? Talvez. Quem se importa? Tranquilo foi o dia, mas que dia foi este? Não o vi, não me disse nada, passou e nem olhou para trás. Sentei no chão das impossibilidades e caí deitado no colchão das improbabilidades. Calcei o pé esquerdo antes do direito. Putz! Errei! Era o pé direito no sapato esquerdo... ou era o contrário? Tanto faz, calculei mal o salto e não acertei a piscina. Caí de cara na poça da obsessão. Sorri com meus meios dentes. Penteei o meu único fio de cabelo do umbigo. Chorei com meu sorriso toda angústia feliz que eu sentia.

Cansado de tanto vaguear pelas terras da solidão, acompanhado de todos os meus anônimos amigos, decidi, por fim, parar numa pizzaria de inconveniências e pedi um leite com chocolate. Fui mal atendido por se tratar de um ogro palhaço, cujo nome não existia e nem também beleza nas galáxias de sua feiura. Trouxe-me uma paçoca explicando-me que ali era uma pizzaria de emoções e não uma charutaria de desejos. Sorri tristezas e agradeci o nunca que me foi servido.

Saí revoltado de certezas e continuei o meu passeio até que a encontrei. Ela sorriu mais uma vez em seu poço de amargura e eu devolvi, muito cortês à sua insanidade, uma singela piscadela de ombros. Levantei o meu chapéu púrpura e larguei ali o meu castiçal de estimação. Toquei em seus lábios com meus dedos e beijei a sua mão com meus lábios. Reparei, ela não mais me olhava, estava agora fascinada com o elegante Nada, que de lá vinha, pela rua abaixo. Chegou sorrindo sem os dentes e ela retribuiu-lhe o encanto com um aceno de orelha. Ele a pegou nos braços ocultos e a beijou sugando-lhe para o vácuo profundo e esquecido. Fiquei uma fera e voei para o seu pescoço com as minhas pernas. Acertei-lhe em cheio no âmago e o vi cuspir toda indulgência da carne. Tossiu alto e expeliu o invólucro xucro do desdém. Ri alto na cara de suas costas e pulei o universo em busca de felicidade. Rodei horrores naquele dia imenso de final de século. Não vi passar nem sequer um ônibus com destino ininterrupto à sobriedade. Fui caminhando mesmo, sabia onde morava o fim, era meu vizinho, sempre do outro lado da vida.

Já estava de noite, de um dia que não mais sabia qual era e pensei em ler alguma coisa antes que o sol se pusesse. Peguei o primeiro livro que não vi da estante de CDs e abri na última folha, estava muito escuro e pude ver claramente escrito em nenhuma das linhas: “você é louco!” 


Publicado originalmente no dia 31 de julho de 2010, Sábado.

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