terça-feira, 7 de abril de 2015

3 (três)




Eis aqui as três primeira partes que antecedem esse conto: 0 (zero), 1 (um), 2 (dois)!




Naquela madrugada anterior demorei mais para terminar o livro. Saí daquele bar/restaurante/lanchonete vinte e quatro horas já com o sol a pino. Voltei logo para casa, fatigado, mas não consegui adormecer. Passei o dia desperto, imaginando o que viria a acontecer quando voltasse para o meu lugar de leitura. Fatos:

   - 1. Meus livros novos estavam acabando, precisava urgentemente passar num sebo. 

   - 2. Arrumei suas fotos espanando todos os quadros presos na parede. Saudade sem tamanho.

   - 3. Em tantos anos, sequer um único dia, eu cheguei a deixar de dormir.


Saí de casa antes da mulher atraente chegar do trabalho. Estranhamente, o beberrão e a velha chata não discutiram, ao menos não enquanto estava em casa. Meus dias começavam a se modificar e isso era um mau sinal. 

Cheguei ao bar/restaurante/lanchonete vinte e quatro horas bem antes do meu habitual horário. Fui para o meu lugar, - hesitante em olhar para os lados - sentei-me e logo pedi um café.

   - 1.  Estava ávido por aquela bebida quente. Prometi a mim mesmo tomar mais xícaras por dia.

  - 2. O salão estava vazio, exceto pelos funcionários que conversavam ao fundo e pela garçonete que atendia-me.

   - 3. O livro que tinha em mãos era um dos meus três últimos. Tratei de lê-lo.

Estava concentrado em minha leitura e não reparei quando ele chegou. Na verdade, ele já estava sentado em frente a mim quando notei sua presença. Ele pousou uma sacola pesada de papel pardo sobre a mesa e empurrou-a gentilmente em minha direção. 

"Para você, meu caro. Sei que os seus estão no fim. Escolhi alguns dos meus preferidos. Você não leu nenhum destes." - disse passivamente sem alterar a face.

Puxei a sacola e percebi que era mais pesada do que parecia. Dentro estavam cerca de vinte pesados e volumosos livros, todos antigos, de boa edição e encadernação. Um presente sem igual.

"Obrigado." - respondi simplesmente.

   - 1. Não estava disposto a longas conversas. 

   - 2. Não queria demonstrar minha curiosidade, como no dia anterior.

   - 3. Não existe nada melhor do que livros para se ganhar inesperadamente.

Eu queria, sim, queria muito perguntar o porquê daquele inestimável presente, mas contive minha vontade a muito custo. Peguei minha xícara e tomei um gole cuidadoso do meu café.

"Percebo sua força de vontade, é admirável. Estou mais cordial, não percebeu?! Vamos, pergunte-me o que quiser!"

"Aceita um café?"

Ele riu alto, até demais. Creio que o surpreendi novamente. Não foi intencional. Os funcionários olharam com olhos arregalados para nossa mesa. Fatos:

   - 1. Se o notaram, era claro que ele existia.

   - 2. Acho que ele não gostava de café.

   - 3. Eu continuava duvidando de sua existência.


"Você me diverte!" - proclamou. "Vamos, não tenha receio, pergunte-me qualquer coisa." - insistiu.

"Quando vou morrer?" - não sei ao certo, mas pareceu-me justo perguntar isso.

Ele olhou-me minuciosamente, estudando-me, procurando coisas dentro de mim. Suspirou profundamente e respondeu-me:

"Dentro em breve, meu caro. Não tão cedo, mas não tão tarde. Logo."

Fechei o livro, ainda aberto na página em que eu estava quando ele chegou, pousei-o sobre a mesa e inclinei-me para frente. 

"Por que eu?" - perguntei desejoso pela resposta.

"Pelo mesmo motivo que você gostaria de tê-lo de volta; apaziguar a minha solidão."

"Por que não outro ser vivente?" - repliquei.

"Porque você pode ouvir-me sem simplesmente acreditar em tudo que eu digo e porque ter alguém para conversar irá trazer-lhe um último conforto."

"Não quero nenhum conforto." - indignei-me.

"Mas o darei mesmo assim."

"Não quero sua piedade."

"O mais correto seria eu querer a sua." - afirmou-me.

"Eu não acredito na sua existência!" - protestei.

"Isso me fascina e por isso faço questão da sua amizade."

"Não sou amigo de ninguém." - vociferei

"Serei seu último amigo, meu caro."

"Droga!" - bati a mão pesadamente sobre meu livro em cima da mesa - "Quem é você?" - interpelei.

"Sou o fim. Conhecem-me pela alcunha de Morte."

"Eu não acredito em você!"



 continua...           Leia a continuação deste conto: 4 (quatro)


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