segunda-feira, 13 de abril de 2015

Forasteiro (revisão)


Este é um conto meio macabro, mas que desenvolve um de meus personagens preferidos. Escrevi este texto há quase cinco anos e sua saga ainda continua (num dos meus muitos cadernos). Esta foi a primeira coisa que postei sobre ele no meu velho blog. Muita coisa mudou desde então, mas sua crueldade continua a mesma. Eis a história:



Catastroficamente arguiu ele ao estranho, buscando uma simples resposta. Ficou chocado quando parou de sentir seu coração. Nada mais depois disso conseguiu sentir. Caiu estatelado no chão e ali ficou, imóvel. Não, não tinha nada a ver com isso. Ao menos foi o que pensou uma fração de segundos antes de ser assassinado. Na verdade tinha a intenção de provocar uma briga. Acabou por conseguir. Não imaginou que perguntar ao estranho de onde ele era provocaria esse tipo de coisa. Acabou no que acabou. Deslizou lentamente para o chão, extinguido.

Seus comparsas custaram a perceber o que tinha acontecido. Não estavam entendendo a cena. Primeiro, mandaram o mais fraco deles provocar o homem e viram quando este ia indo em direção ao forasteiro. Viraram-se para o bar e quando ouviram um barulho, já era tarde, John havia tombado. Ficaram sem entender, buscando respostas. Olhavam de um lado para o outro, de uma cara para outra e entre eles mesmos. Nada, todos estavam espantados. Todos com a mesma feição. Na confusão toda, Marcus – o líder da corja – procurou vestígios do alvo. Encontrou-o sentado na mesma mesa que estava antes, a uns cinco passos de John - o caído. Rosnou bravio e foi em direção ao parceiro desfalecido. Seus homens o seguiram. Todos os sete restantes. Um deles se abaixou para o homem deitado e examinou-o: “está morto, chefe!” - disse olhando assustado. Marcus cuspiu forte no chão e gritou:

— Quem derrubou este homem? O que aconteceu com ele?

Nada, nenhuma resposta. Marcus era um bandido manjado na região, traficava armas e outras coisas mais sem se preocupar com inimigos. Todos o temiam. Gostava das coisas como elas eram. Aquilo o desagradava e todos no bar sabiam disso. Quem achasse ruim com ele, acabava desaparecido. Mesmo quem não achava nada, mas tinha a cara que Marcus não gostava, desaparecia. Por isso, nada de respostas.

— Digam alguma coisa! – berrou novamente – ou verão o que eu sou capaz de fazer. Andem!!! – gritou colérico.

Um homem baixo se aproximou, tremendo, perto da gangue, sem ousar olhar-lhes diretamente. Seus olhos fixos no chão. Começou a gaguejar uma resposta:

— A-acho q-que que f-fo-foi aque-quele ho-homem... – e apontou para o forasteiro.

Marcus não precisava de mais motivos e nem de mais explicações. Arrancou o homem que tremia assustado de sua frente num único puxão e caminhou pesado para o estranho. O homem estava sentado e tomava calmamente alguma coisa numa caneca, segurando-a com as duas mãos.

— Foi você quem fez isso? – perguntou com a voz engasgada de ódio. No calor da situação, nem sequer lembrou de que era exatamente isso que John deveria fazer: incitar uma peleja. E seu capanga havia realizado com louvor sua tarefa. Não como haviam planejado, mas aquilo bastava.

O homem permaneceu imóvel. Apenas se moveu para bebericar de sua caneca. Aquilo enfureceu ainda mais o líder dos bandidos. Marcus sacou sua arma e encostou o cano na cabeça do indivíduo que lhe ignorava. O estranho, após terminar de pousar a caneca sobre a mesa, permaneceu imóvel. Os dois ficaram ali parados. O momento se intensificou com as risadas fortes de seus empregados. Eles estavam todos ali, em torno dos dois rivais. Marcus, sem pensar em mais nada além de querer ver os miolos do forasteiro voar sobre a mesa, engatilhou a arma. Nesse átimo, sem que qualquer um que estivesse ali pudesse ter percebido alguma coisa, Marcus tombou inconsciente para trás. Alguns ainda riam quando o corpulento chefe encontrou o chão. O baque foi surdo. A cabeça do homem quicou duas vezes antes de ficar inerte. Dois homens abaixaram-se em socorro do patrão. Os outros sacaram suas armas desesperadamente sem saber pra onde olhar e pra onde apontar. Ficaram todos atônitos. O que representava aquilo? Em quem deveriam atirar? O forasteiro, por fim, virou-se calmamente em direção a corja, levantando-se muito vagarosamente. As armas foram engatilhadas e apontadas para o homem.

— Sabem onde eu vi coisas tão assustadas como essas caras que eu vejo aqui hoje? – disse o homem numa voz rouca e grave.

Alguns dos homens tremeram. Alguns clientes, que não faziam parte daquilo, saíram sorrateiramente. Uns mais curiosos ficaram, os mais covardes saíram antes mesmo de Marcus sacar sua arma. Os dois homens que estavam em socorro do líder, percebendo a movimentação, puseram-se em prontidão para o próximo conflito. Levantaram-se tão assustados quanto os demais que já estavam ali em poder de suas armas. O caos estava formado.

— Ouçam, vocês podem até gostar dessa minha história – continuou o forasteiro sem se incomodar com os sete homens armados à sua volta – de onde eu venho, tem muita gente que cria... hum... vamos chamar de pássaros. E, de repente, um dia, sem mais nem menos, os pássaros começaram a desaparecer. Ninguém conseguia compreender o que tinha acontecido com os bichinhos. Queriam respostas, queriam soluções, estavam indignados. Mas, o mais importante é; sabem o que o pessoal de lá fez? – ele esperou um tempo e o silêncio era total. Por fim, ele mesmo respondeu – Nada! Estavam todos muito assustados com aquilo e ninguém tinha coragem o suficiente para resolver a questão.

Os capangas não entenderam bulhufas, pois a atenção dos homens não estava na história mas sim na situação. O estranho homem era alto como todos os outros daquele lugar, mas tinha uma cara que nunca nenhum daqueles meliantes havia visto na vida. Os cabelos do homem eram enigmáticos como todo o resto, tinham uma cor diferente, assim como seus olhos. Sua pele era queimada de sol, mas não bronzeada ou avermelhada, como as peles comuns, ela tinha um tom cinza que não condizia com o que era conhecido. Suas roupas também eram esquisitas. Seu jeito de falar também era peculiar. Não portava nenhuma arma aparente. Tudo que aquele forasteiro possuía era uma estranheza singular.  Mas só aquilo era o suficiente para deixar homens maus com medo.

— Um dia, um ferreiro da região pensou: “vou trazer o mago!” – continuou então o homem em sua história sem se importar com o que podia lhe acontecer – Mago, para vocês que não sabem o significado do termo, é o nome que damos para um sujeito especial que sabe lidar com tipos especiais de problemas. Bom, o ferreiro, que era um sujeito sensato, arrecadou uma quantia de cada um dos moradores da cidade para poder pagar o tal sujeito – o forasteiro ia narrando e os bandidos ficando cada vez mais confusos. Suas palavras assombravam aqueles homens. O clima ia se intensificando e esquentando e, satisfeito de seu intento, o estranho prosseguiu – O ferreiro foi até o lugar onde sabia que encontraria o mago e antes de lhe falar o que queria, ofereceu-lhe, de mãos estendidas, uma sacola cheia de uma pequena fortuna. O mago, sabendo do que se tratava aquele volume, mandou-o deixar a sacola no chão e se retirar. O ferreiro estava assustado e tentou explicar o porquê do pagamento, mas, antes que pudesse dizer qualquer coisa, o mago disse: “saia imediatamente daqui! Já sei o que quer e irei resolver o problema de vocês hoje à meia noite!” - disse o forasteiro imitando uma voz brutal em tom de chacota.

Nisso, um homem que estava à direita do estranho, apontou sua arma desesperadamente para o alvo. Estava aflito e nem percebeu o que estava fazendo, mas antes que pudesse disparar, caiu duro feito rocha. Os outros só puderam ver o companheiro desfalecido no chão. Ficaram mais agitados, nervosos, mas nenhum teve a coragem para tomar uma nova iniciativa. Estavam paralisados. O estrangeiro dominava o Caos, como se fosse ele O próprio!

— Bom, antes que eu seja interrompido novamente, vou concluir a minha história – disse o homem sem se importar com o pavor imediato – Naquele mesmo dia, exatamente à meia noite, as pessoas já todas recolhidas em suas casas – seguindo recomendações do ferreiro – começaram a ouvir sons surdos de coisas caindo, como grandes sacos de batatas atirados no chão. Ninguém se atreveu a espiar por suas janelas para ver o que acontecia do lado de fora. O fato é que, quando saíram de suas casas na manhã seguinte, havia muitos, mas muitos... hum... vou chamar de predadores. Havia muitos predadores mortos por todas as ruas da cidade. Os moradores ficaram satisfeitos com a resolução daquele problema e nunca mais chegaram a ter outro tipo de incômodo novamente. Nunca, porém, puderam agradecer o famoso mago, sabem por quê? Porque este tinha ido embora para resolver um problema de... hum... vou chamar de praga, numa outra cidade. Essa praga estava crescendo demais e estava assustando todos naquele lugar. Quem contratou o tal mago, foi um dono de um bar, onde essa praga toda ia se embebedar e judiar de estranhos e conhecidos, traficar armas e levar o terror a todos os inocentes cidadãos. A cidade estava cansada de ser importunada e incomodada com aquele monte de tralha que não tinha o que fazer. Bom, o mago, como excelente trabalhador e “resolvedor” de problemas que ele é, foi até a tal cidade, se sentou no tal bar para tomar um chá e ficou esperando a praga aparecer. E sabem o que ele fez com a tal praga? – ninguém se atrevia a responder, estavam todos apavorados com suas armas chacoalhando, sem mira ou foco. 

O  forasteiro levantou a mão pausadamente, como a seguir um ritmo cadenciado, de ângulo em ângulo ele levantou a mão até que essa apontou uma coisa na parede. Sua mão prosseguiu num movimento contínuo, como a seguir o ritmo do pêndulo do relógio pregado na parede que ele apontava. Um dos homens - o único que se atreveu a olhar para onde o forasteiro indicava - pode ver no seu último segundo de vida, o relógio de parede marcar exatamente meia noite.

Ao soar a primeira badalada do relógio, nove corpos jaziam aos pés do forasteiro... 



Publicado originalmente no dia 4 de outubro de 2010, segunda-feira.

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