quinta-feira, 23 de abril de 2015

O Homem sem futuro (revisão)




 Eu estava bisbilhotando o passado, relendo textos antigos, buscando coisas interessantes que um dia cheguei a escrever (em meio a todas as bobagens que um dia já postei) e me deparei com esse escrito. Pelo que li e entendi, o personagem/narrador sou eu mesmo, no entanto, numa situação hipotética, meu pai está morto. Não lembro o que aconteceu no dia para eu escrever algo assim tão pesado (ao menos me pareceu assim, agora, em dias atuais), mas sei que meu pai estava vivo nessa época e, mesmo assim, eu o matei no texto (freak). Confuso! 

Mas gostei do texto em si e entendi a mensagem nas entrelinhas, um recado para mim mesmo. Uma longa jornada filosófica que se estende e se arrasta até hoje. Melhoras em alguns campos, pioras em outros, mas sempre uma evolução. Assim espero. Acho que propago uma grande guerra interna contra mim em épicas batalhas literárias e esse é mais um desses momentos. Espero que este conto os agrade assim como agradou-me.




Essa é a história do homem sem futuro que, por um acaso, ainda não está completamente escrita. Antes de assentar-se – na cadeira nada confortável – diante de seu (péssimo) computador e começar a escrever sobre sua vida, o homem sem futuro havia passado por maus bocados, pois naquele dia fatídico o homem que o havia inspirado morrera! Esse homem, nada mais nada menos que seu pai, outrora, teria sido sua fonte de inspiração. Era muito inteligente e muito sagaz. Praticamente autodidata, seu velho pai, era uma fonte inesgotável de saber. Era também o homem que ensinara o valor do sofrimento e, por fim, o gosto amargo do ressentimento. 

Mas o que é isso tudo para alguém que sequer teria um futuro? 

Foi pensando nisso e em todas as coisas horríveis que havia passado do princípio dos seus dias até ali que, o homem, aquele sem futuro, decidiu realmente mudar a sua vida. Primeiro, matou psicologicamente o seu maior herói. Para isso, dispôs de muita dor e muita raiva. Feito isso, expulsou de sua existência seu criador, amigo, pai e também causador de grande parte de sua dor. – Não impressionem-se com suas atitudes, afinal, ele não tinha futuro – Segundo, preparou seu espírito para suportar o que mais tivesse que viver dali para frente: mais dor! Bem da verdade, não seria tão difícil assim, pois viveu a vida assim quase que todo o sempre.

Sentado diante de seu teclado e digitando velozmente as teclas, o homem sem futuro, pensava no passado para constituir em palavras o seu presente. Cada frase escrita era um poço inefável de angústia, mas, mesmo assim, prosseguiu em seu destino. Avaliava cada uma de suas palavras, como se a própria Dor é quem estivesse escrevendo. Não entendia completamente o objetivo daquilo que estava fazendo. Sabia, no entanto, que o devia fazer. 

Uma única chama, bem no fundo do seu ser, repetia: “vou mostrar a cada um deles o que é um homem sem futuro”, aquilo cutucava-o sem parar, mas não prestou atenção, apenas ignorou. Digitava todos os pormenores de suas frustrações. Não estava disposto a deixar sequer uma ponta solta do seu sofrimento. Era-lhe obrigatório desfazer-se das feridas. Tinha de cicatrizá-las imediatamente. Quanto mais palavras apareciam na tela branca mais preenchida de talhos ficava sua alma. Já estava com o espírito em frangalhos bem na metade da página escrita quando percebeu que, de fato, o que deveria mesmo fazer, era trancar toda aquela dor no âmago do seu ser. Arrependeu-se de ter começado aquele texto, mas inexpugnavelmente desejou terminá-lo.

Lá pelas tantas, não vendo mais saída para tanta desgraça (e Deus sabe o quanto sua mãe o xingava por dizer essa palavra), sucumbiu ao desejo de estar morto e esquecido. E, mesmo enquanto morria para a vida feliz e alegre – que na verdade não passava de uma grande farsa – continuou ouvindo uma voz que lá do fundo dizia: “Homem sem futuro é o caralho!” 


Publicado originalmente no dia 21 de dezembro de 2010, terça-feira.

2 comentários: