segunda-feira, 27 de abril de 2015

4 (quatro)




Para saber o que aconteceu anteriormente leia esses outros contos na ordem apresentada: 0 (zero), 1 (um), 2 (dois), 3 (três)!





"Se você é a morte, então mate-me agora!" - desafiei-o.

Ele olhou-me sério, mais sério do que já havia me olhado antes. Encarei-o de volta, como não costumo fazer, mirando-lhe os olhos. Seu semblante mudou de sério para pensativo e eu aguardei. Esperei que falasse-me algo. O tempo passou. Depois de alguns longos minutos, enquanto eu bebericava meu café, ele finalmente me respondeu.

"Por que acha que eu posso simplesmente levá-lo agora, neste instante?"

"Não acho nada. Só quero que me prove que você é mesmo quem diz ser!"

"Não preciso que acredite em mim, mas ao longo de nossa conversa você terá certeza disso."

"Sabe o que eu penso?, penso que você é apenas fruto de minha imaginação. Penso que; eu vejo você, eu ouço você e posso até mesmo tocá-lo, mas a verdade é que você não está aí, e sim aqui, dentro da minha cabeça."

Ele riu de minhas palavras. Continuei mesmo assim.

"Eu sabia que um dia chegaria nesse ponto. Posso parecer louco e introspectivo, mas se tenho uma qualidade, essa é a de discernir a minha condição. Sei que não sou como as outras pessoas. Sei que as afasto. Sei que meu comportamento não é o esperado. Ele foi o único que me amou pelo que eu era. Por isso não tenho mais ninguém. Por isso não quero mais ninguém. Quero só as palavras comigo até o dia de minha morte e assim o farei. Pensei que morreria com a mente sã, mas vejo que ela falha-me agora."

Fatos:

   - 1. O café estava frio, precisava pedir outro.

   - 2. Tenho consciência da minha condição. Só não a controlo. Sou assim e pronto.

   - 3. Tenho certeza, ele não existe.

Ele estudou-me, refletiu sobre minhas palavras. Ouviu-me com atenção sem interromper-me. Esperou-me calar e só depois de ouvir meus suspiros, piscou. Sorriu. Estalou a língua. Alongou o pescoço pendendo a cabeça de um lado para o outro. Moveu as sobrancelhas. Calou-se. 

Olhei para a atendente que passava e perguntei:

"Está vendo esse homem sentado diante de mim?"

A mulher olhou para ele, fez uma careta e disse:

"Sim." - voltou-se para mim e perguntou - "Quer mais alguma coisa?"

"Traga-me um novo café, por favor."

O meu acompanhante esperou pacientemente que a mulher servisse meu café numa nova xícara. A mulher saiu sem lhe oferecer nada.

"Aí está a prova." - acusei-o.

"Que prova?" 

"A de que você é fruto de minha imaginação."

"Qual prova?"

"Ela não ofereceu-lhe nada."

"Eu não quero nada."

"Você é uma imagem da minha mente."

"Sou?"

"Sim!"

"Quem trouxe-lhe os livros?"


Fatos:

   - 1. Droga! Havia esquecido dos livros.

   - 2. A mulher podia não ir com a cara dele.

   - 3. Nada me convenceria de que ele existia e ponto.


"Isso não prova nada." - respondi chateado.

"Até quando vai querer brincar com isso? Não existe nada melhor para se conversar com a Morte do que esse joguinho de existe e não existe?"

Calei-me.

"Vamos, converse comigo." - insistiu.

"Não quero mais falar."

"Nem mesmo sobre ele?"

Fatos:

   - 1. Golpe baixo usar nosso sentimento.

   - 2. Olhei novamente para a sacola de livros. Estavam ali.

   - 3. Tomávamos café todas as manhãs, enquanto líamos e meu companheiro sempre dizia-me...

"Não confie em quem não toma café!" - o homem sentado em frente completou meus pensamentos.

"Como sabe disso?" - indaguei nervoso.

"Sei de muitas coisas. Não tudo. Mas disso eu sei."

"Como sabia o que eu estava pensando?"

"Acho que adivinho essas coisas." - ironizou.

"Ah, você..."

"Af, 'você não existe', 'você não existe', pare com isso. Já está entediante." - disse ele interrompendo-me.

"Tudo bem." - respirei e refleti - "Ele está bem? Sente a minha falta?"

"Deve estar para ambas as perguntas."

"Você não sabe?"

"Não ocupo-me dos que já partiram, mas sim do que estão para partir."

"Então, por que levou-o de mim?"

"Não os escolho. Era a hora dele."

"E como foi?"

"Como de costume. Eu venho e os acompanho."

"Para onde?"

"Para longe daqui."

"Para o outro lado? Para..." - hesitei - "o paraíso?"

Ele riu alto novamente. Algumas pessoas olharam desconfiadas e incomodadas. 

"De todas as pessoas, você é a que eu menos esperava esse tipo de pergunta. Fascinante!" - disse ainda sorrindo - "Por que a pergunta?, você não acredita em nada, muito menos num paraíso."

"Então existe o paraíso?"

"Eu sou somente a ponte entre dois lugares. Não vivo aqui e nem lá. Não sei para onde vão."

"Ridículo!"- irritei-me - "Você alega ser a morte e não sabe de nada importante!"

"Eu disse, eu sou o fim. Não sou um novo começo. Não sou o antes. Não sou o depois. Sou apenas o instante. Você é quem não está sendo coerente."

Fatos:

   - 1. Eu estava perturbado.

   - 2. O café não era-me mais palatável.

   - 3. Tinha que terminar de ler o meu livro.


"Amanhã, no mesmo horário." - disse despedindo-se.

"Não!" - reclamei.

"Não vamos quebrar tanto sua rotina assim. Você precisa terminar o seu livro."

"Farei isso."

"Não compre mais nenhum. Você não terá tempo de lê-los. Estes serão os seus últimos." - disse apontando para os livros na sacola do meu lado.

Olhei para os livros e quando voltei-me para dizer mais alguma coisa ele já havia sumido. Previsível. Coisas de quem alega ser a morte e precisa provar sua existência.

Eu?, eu continuo duvidando.



continua...                 Para saber o que acontece agora, clique nesse link: 5 (cinco)




4 comentários:

  1. Oh Pedro pra que escrever "Continua"...
    Só pra me deixar curiosa! #fato
    E vamos que está ficando mto bom!!!!
    #fato2 mais depressa por favor!😁
    Forte Abraço querido Amigo!

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    1. Damiana, amiga do coração, a demora ocorreu por conta das obras residenciais. Agora eu vou de vento em popa! Obrigado pelo apoio e pelo elogio!!

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  2. Muito bom cara !
    Aguardando a continuação ...

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    1. Valeu, guy! Obrigado pela leitura! Logo, logo você lerá a continuação.

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