sexta-feira, 5 de junho de 2015

6 (seis)




Essa é a sétima parte de um conto chamado "Zero", para ler todos os contos anteriores e se inteirar do que aconteceu até aqui, leia essa sequência (Os números abaixo são os links para os outros contos):


Caso você já tenha lido, vá direto para o conto abaixo. Caso lembre do que já leu, vá direto para a leitura desse. Caso não se importe em saber o que aconteceu antes, leia esse mesmo sem entender nada. E caso esteja lendo isso e não saiba o que está fazendo aqui, a culpa foi do Google ou de um clique descuidado, volte para sua vida e esqueça que esteve aqui! Boa leitura para quem fica:




... e ele/ela ficou ali, contando-me coisas de um homem sem igual, incrível e que provavelmente ainda estaria vivo por toda a eternidade. Mesmo eu não entendendo nada sobre eternidade eu confirmava com a minha cabeça, como se aquilo fizesse sentido para mim, como se eu estivesse compreendendo. A garotinha loira falava desenfreadamente como se não houvesse um amanhã e tudo precisasse ser contado logo. Imediatamente.

O que o meu companheiro/companheira de conversa não entendia era que não havia formas de eu assimilar algo tão imensurável, pois eu era um simples mortal, meio louco, que gostava de ler e tomar café e que, de vez em quando, conversava com a Morte na forma de uma garotinha num bar/restaurante/lanchonete vinte e quatro horas. Outra coisa muito importante, eu era um ser isolado que sentia a falta de alguém, a falta do homem que preencheu a minha vida por três belos e incomparáveis anos. Isso fazia sentido para mim, mesmo com meus instáveis sentimentos, mas não devia fazer o menor sentido para alguém como a Morte.


"Perdoe-me interrompê-la, mas o que é que isso tem a ver comigo?" - interpus tentando ser cordial - "Qual é o valor dessa informação para alguém que sequer é normal e vai morrer dentro em breve?"

Ele/ela riu das minhas palavras, como se o que eu havia dito fosse-lhe uma forma de descaso e abanou a cabeça como se eu acabasse de blasfemar.

"Acho que a falha é minha. Ser alguém que traz a solidão é incompreensível demais para alguém que está só! Mesmo eu sendo alguém - ou alguma coisa - que se sente só também!"

A garotinha se calou. Levantou-se sem dizer nada, desamarrotou seu vestidinho simples, jogou seus lindos cabelos dourados para trás dos ombros e partiu dali caminhando.

Fatos:


   - 1. Realmente não tive a intenção de magoar a própria Morte.

   - 2. Hoje era dia do rapaz de barba engraçada trabalhar na cozinha, então pedi o meu prato predileto que levava o meu nome, mas que só eu sabia que se chamava assim.

   - 3. Já tinha lido meu antepenúltimo livro, mais dois e começaria meus vinte últimos.



Apreciei minha refeição como se estivesse fazendo a última. Deveria viver aqueles dias como uma despedida, mas não me entendam mal, não estava triste por partir, mas sim contente porque sabia que eu o veria novamente... Na verdade eu estava era empolgado com essa nova oportunidade, se pudesse eu até adiantaria o processo, mas sou meticuloso, não faço nada que esteja em desacordo com os dias. Hora de voltar para casa.

Cheguei em casa muito cedo, quer dizer, antes de amanhecer o dia. Entrei pela porta, tranquei-a, olhei em volta, livros por todos os lados, cuidadosamente empilhados em grandes colunas. Misteriosamente preferia-os assim, não como as outras pessoas os dispunham, em fila. Os livros, para mim, deveriam ficar assim, em colunas, como grandes pilares do saber.

Fui até a minha parede que mais parecia uma altar dedicado à pessoa amada. Meu querido companheiro, o único ser que um dia compreendeu-me, amou-me e fez dos meus dias horas completas desprovidas de solidão, olhava-me sorridente dos papéis impressos das várias fotografias. Impressionante como alguém que preenche o seu dia pode, de repente, jogá-lo diretamente para dentro da solidão interminável. Acho que esse é o mais perto que chegarei da imortalidade: a solidão interminável! Não que ela seja de fato interminável, mas como a solidão se arrasta pesadamente pelo tempo, essa é a sensação mais direta com o interminável, pois ela só acabará quando chegar ao fim... e esse fim vem sem aviso, mas vem de bom grado. Hoje sei disso...

Não entendam-me mal, não quero divagar sobre meus sentimentos, mas estes estão diretamente ligados aos fatos que me cercaram naquela semana. Vou contar-lhes tudo, como e da forma que eu vi e vivi, sejam apenas pacientes, como eu fui, mesmo querendo desesperadamente o meu fim, que podia, na verdade, significar um novo começo... de qualquer forma, eu esperei, na companhia da última coisa que me restava: livros.


   - 1. Estranhamente, dormi como um cordeirinho naquele dia, abraçado a uma de suas fotos.

   - 2. Não sonho, mas naquele dia sonhei. Sonhei que estávamos mais uma vez juntos, sentados em nossas poltronas, lendo, como no princípio de tudo. Quando tudo era perfeito.

   - 3. Café, acordei desesperado por um café.


Naquele novo dia, levando meu penúltimo livro - antes dos vinte últimos - saí pela rua escura, de sombras brandas da noite que envolvia vagarosamente o dia, como numa vingança por ter sido consumida pela luz do amanhecer anterior.

A velha não gritara com o beberrão nos últimos dois dias, mas o perfume insuportável da mulher atraente não parava de incomodar-me. Mesmo ela não tendo chegado em casa antes de eu ter saído, parecia que agora limpava a casa num pano embebido com aquele maldito perfume. Não importa, eu já tinha saído e isso era-me consolo suficiente. Tirei o livro do meu bolso do casaco, abri-o, li suas orelhas e comecei minha leitura enquanto caminhava pela calçada. Estava uma noite quente, mas não deixava nunca de usar meu chapéu e meu casaco.

Cheguei relativamente cedo ao meu bar/restaurante/lanchonete vinte e quatro horas preferido. Estava ansioso por saber se ele/ela voltaria para falar comigo sobre a vida, ou a morte. Estranho falar de morte com a Morte, mas percebi que é um assunto típico para esse tipo de encontro. Fui para o meu lugar de costume, sentei-me, pedi meu cobiçado café e continuei a leitura.


   - 1. Peituda e sovina no comando da cozinha, traduzindo: nada de comida, só café. Ainda dispunha dos meus biscoitinhos escondidos num dos bolsos do casaco.

   - 2. A garçonete ofereceu-me uma torta quentinha, mesmo sabendo que eu recusaria. Não gosto de doces, já lhe disse.

   - 3. Livro chato, mas o lerei da mesma forma.


"Olá, amigo, suponho que pensou que talvez eu não viria, certo?!" - perguntou-me curioso um jovem de uns trinta e poucos, de barba desgrenhada, cabelos encaracolados e desarrumados. E, sim, com aqueles enormes e brilhantes olhos azuis.

"Eu não penso em nada, só leio!"

Ele sorriu e sentou-se na mesma posição que gostava de ficar, com as mãos pousadas sobre a mesa. Encarou-me e esperou-me perguntar algo, acredito eu. Trajava roupas desleixadas, puídas e simples.

"Olá! Roupas novas?!" - disse-lhe.

"Não reconhece-me?"

"Claro que sim, és a Morte, como gosta de afirmar!"

"Não, estou falando de minha aparência, exceto pelos olhos, claro."

"Deveria conhecer?"

"Claro, sou seu vizinho!"

"Que vizinho?"

"Aquele que você ouve discutindo com a esposa todos os dias, o bêbado!"

Ah, a mulher que eu ouvia gritando todos os dias era a sua esposa! Pela voz sempre achei que era uma mulher mais velha, uma tia ou qualquer outra coisa, não esposa.

"Nunca o vi, só o ouvi!"

"Pois essa é sua aparência, gostou?!"

"Descuidado, meio... sujo... porque está 'vestindo-o'?"

"Ué, não soube?" - perguntou-me com falsa expectativa, pois era óbvio que sabia do meu desinteresse - "Ele matou a esposa e se matou em seguida, há duas noites. Pelo visto a amava, mas não suportava as brigas. Algo do tipo. Não os entendo com profundidade."

Isso explicava o silêncio dos últimos dias. Não importei-me, acreditei, mas olhando sua face, senti uma pena serena, passiva...

"Não fique assim, não leve sua mente para outros lugares e, principalmente, não venha com saudades do seu companheiro!"

"Sinto que você gosta de irritar-me, estou certo?" - perguntei chateado por ser criticado.

"Não, só não tenho muita paciência com coisas humanas!"

"Mas estranhamente reage como um humano quando é contrariado!" - instiguei-lhe.

"Você está ficando ousado, meu caro!" - olhou-me desafiadoramente.

"É, percebi que, por mais que você seja a morte, não pode fazer mais nada além de esperar, como nós humanos! Conforme-se!" - apunhalei-o.

Ele cerrou os punhos beligerante, não estava gostando nem um pouco da minha audácia.

"Proponho o seguinte" - comecei a dizer-lhe - "Que tal se conversássemos como adultos?, sem mistérios, sem problemas, quer dizer, sem maiores problemas além do fato de um reles humano estar conversando com a Morte?!"

Ele bufou para mim, com a cara irritada e desacreditada.

"Nem ele falou assim comigo, mesmo sendo imortal, ele nunca falou assim comigo!"

Não quis provocá-lo mais, não achei certo desmerecer a Morte, então fiquei mais pacífico e dei-lhe atenção:

"Você já conversou com ele como está fazendo comigo?"

"Algumas vezes... em períodos distintos, em épocas e lugares distintos" - respondeu-me um pouco mais tranquilo - "mas ele nunca soube com quem falava, nunca revelei-me como a Morte para ele, só para você."

Queria dizer-lhe que estava honrado, mas não senti nenhuma honra conversando com alguém que simplesmente transportava alguém de um ponto para o outro.

Mas isso era o que eu achava desse ser misterioso, ainda não o compreendia totalmente, pois eu não fazia ideia que a Morte brincava com todos nós das mais diversas formas e maneiras. Não sabia que aquela entidade zombava da vida e de todos nós seres vivos. Eu sequer pensava que ele estava jogando comigo, fazendo-me acreditar que tudo estava bem e próximo, que tudo estava confortável e prazeroso. Mas como eu disse, eu fui enganado e pagaria muito caro por ter desafiado a Morte...


Fatos:


   - 1. Eu continuei com meu café daquele dia, jogando conversa fora com uma entidade que, acreditava eu, sentia-se solitária e precisando de companhia.

   - 2. Descobriria que a Morte é tão ou mais poderosa do que a própria vida!

   - 3. As coisas estavam mudando, mal sabia eu que para pior...


   - 4. Onde estou com a cabeça? Nunca são mais do que três fatos...



continua...                  Para ler a próxima parte faça como o personagem, seja paciente!




6 comentários:

  1. Nossa!!!Estou adorondo!!!
    Não vejo a hora de ler o próximo parte.
    Acho que anciosa é pouco pra se descrever.

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    1. Puxa, muito obrigado pelo comentário! Que bom que está gostando, fico feliz em ter esse tipo de retorno! Valeu mesmo! Abração!

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  2. Demorei um pouco para alcançar a leitura ! Está muito legal.
    Audácia contra a Morte, hein?
    Me fez pensar aqui que a "não-morte" pode ser talvez pior castigo que Ele/Ela poderia adotar.

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    1. Olha, se eu te contar que você tá querendo estragar o final da minha história vc vai ficar chateado?! kk Mas é bem por aí, velhão!

      Ah, valeu o elogio e o comentário! Obrigado!!!

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