Aqui vai o meu segundo conto curtinho, de apenas uma página. História bacana e emocionante. Uma ideia que, hoje, não sei dizer de onde veio a inspiração. Eu gostei muito desse texto, fiz uma revisão mínima, e repostei, leiam (por favor) e me digam o que acharam:
Notícia
Em pensar que às vezes nem sempre é bom saber o que se passa consigo
mesmo. Não foi diferente comigo. Um dia, estava eu nos meus afazeres do
trabalho – eu trabalhava num Jornal, organizando e formatando páginas
dos periódicos – quando li uma notícia que me chamou muito a atenção.
Era de um dos repórteres do serviço, um dos novos. Eu o conhecia
pessoalmente – afinal, quem eu não conhecia? Chamava-se Carlos. Era um
rapaz recém formado. Não tinha vínculos com o Jornal ainda, estava
estagiando, de experiência.
Bom, Carlos trabalhava ali há quase um mês e
meio. Mesmo assim, eu já o conhecia suficientemente para chocar-me com a
notícia que acabara de ler. Imprimi em uma lauda e reli detalhadamente o
que já havia lido duas vezes pela tela do computador. Era
inacreditável. Fiquei perplexo e estupefato. Não me contentando, reli
novamente e depois ainda uma outra vez. Quando, insatisfeito com a leitura, tentei
reler mais uma vez e não consegui, pois minhas mãos estavam
frouxas.
Sentei-me sem ao menos ter notado que havia levantando. Cocei a
cabeça matutando as ideias. Meus olhos giravam do papel para a tela, do
papel para a mesa, do papel para as pessoas a minha volta. Meu
transtorno me deixou suado, quase pingando. Procurei minha garrafinha de
água e pela primeira vez, em trinta anos de serviço, eu não a
encontrei. Abalado com a notícia que transitava meus pensamentos,
comecei a desforrar minha impaciência na garrafa sumida. Olhei até
debaixo dos papéis onde seu volume não caberia. Revirei a minha mesa
como se isso fosse me trazer paz e sossego. Por fim, quando minha mesa já estava um caos, lembrei-me do Carlos e de que fora ele quem havia
escrito a notícia que transmutara a minha vida. Num passe de mágicas, a
garrafinha sumida permaneceu como antes: sumida. Minha total atenção
agora era para aquele sujeito que, pensando bem, eu não gostava quase
nada e mal conhecia.
Levantei de um pulo da cadeira – a qual eu nem sequer havia percebido
que estava sentado – já gritando pelo Carlos. O barulho era uma coisa tão
comum na redação que sequer me ouviram chamando seu nome. Repeti com
mais ênfase: “ô, Caaarlos” – até alonguei sua primeira vogal como a
testar-lhe a acentuação da palavra. Novamente não me deram ouvidos.
Comecei a rodar minha cabeça de um lado para o outro. “Onde anda aquele
maldito moleque?” - pensei comigo mesmo.
Não o via por ali. O jeito era
rodar o local todo no seu encalço. Assim o fiz, procurei-o primeiramente
na sua mesa. Nada daquele peste. Depois fui até a cozinha – pensei que
como estava perto da hora do lanche que ele poderia estar por ali. Não
estava. Lembrei-me daquele ditado idiota que todos sempre usam –
inclusive eu – ‘quem tem boca vai a Roma’, e comecei a perguntar pelo
Carlos. O problema era que todos estavam mais ocupados do que o normal
naquele dia. Ninguém parava pra me responder e isso estava me matando.
Cansado de rodar de lá pra cá sentei-me num banquinho perto dos
banheiros. Eis que sai de lá de dentro do banheiro, o Rodrigo – amigo de
faculdade do Carlos – conversando com um dos chefes da redação. Prestei
atenção no que diziam, esperando minha vez para poder perguntar do fulano e
pesquei uma frase solta: “...coitado do Carlos. Ficou em casa arrasado com o
fato, mas, mesmo assim, fez questão de escrever a nota e enviar pra
redação. Isso é que é amigo!” - disse o chefe do Rodrigo - "Ele se afeiçoou mesmo ao Souza, né?! E em tão pouco tempo..."
"O Carlos sempre disse que o Souza era o pai que ele nunca teve!" - disse o Rodrigo pro seu chefe.
“Então o danado estava em casa? Que
molenga! Escreve um absurdo daqueles e ainda fica em casa como se fosse
vítima.” – falei.
Antes que o Rodrigo pudesse se afastar, ouvi o Armando gritando lá do outro setor:
“Ô, Digão! Quem vai limpar a mesa do Souza? Tá tudo
esparramado.”
Só me faltava aquela; confuso, mas nervoso, interpelei: “que
limpar a minha mesa o quê, ou?!”
Mas não me deram ouvidos, e foi o chefe do
Rodrigo quem respondeu:
“Deixa tudo aí, Armando. A esposa do
falecido vem buscar tudo hoje ainda. Não esquece de fazer uma cópia da homenagem
que o Carlos escreveu pro Souza, tá? Vamos ler lá no velório!”
Na hora eu pensei: “Até que o
Carlos não era de todo um mau sujeito.”
Publicado originalmente no dia 12 de dezembro de 2010, domingo.
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