Republicando um texto antigo que gosto muito, feito de forma incoerente, um experimento na época para mim. Está entre os meus preferidos, tanto por conta da sua despretensão de ser algo sério e definido, quanto por eu ter me divertido muito escrevendo (e agora relendo). Espero que gostem tanto quanto eu. Foi uma tentativa de "soar" psicodélico (sem o uso de drogas). Eu diria que é um texto bonachão!
O dia vinha chegando, não, na verdade, o dia já se tinha ido. Louco
varrido e desvairado, mal tive tempo de olhá-lo nos olhos, e que olhos
eram estes! Todo louco tem um quê de pirado. Não, todo doido tem um quê
de abstrato. Em que categoria me encaixo? Na de quebra-cabeça sem
peças? Talvez. Quem se importa? Tranquilo foi o dia, mas que dia foi
este? Não o vi, não me disse nada, passou e nem olhou para trás. Sentei
no chão das impossibilidades e caí deitado no colchão das
improbabilidades. Calcei o pé esquerdo antes do direito. Putz! Errei!
Era o pé direito no sapato esquerdo... ou era o contrário? Tanto faz,
calculei mal o salto e não acertei a piscina. Caí de cara na poça da
obsessão. Sorri com meus meios dentes. Penteei o meu único fio de cabelo
do umbigo. Chorei com meu sorriso toda angústia feliz que eu sentia.
Cansado de tanto vaguear pelas terras da solidão, acompanhado de todos
os meus anônimos amigos, decidi, por fim, parar numa pizzaria de
inconveniências e pedi um leite com chocolate. Fui mal atendido por se
tratar de um ogro palhaço, cujo nome não existia e nem também beleza nas galáxias
de sua feiura. Trouxe-me uma paçoca explicando-me que ali era uma
pizzaria de emoções e não uma charutaria de desejos. Sorri tristezas e
agradeci o nunca que me foi servido.
Saí revoltado de certezas e continuei o meu passeio até que a encontrei. Ela sorriu mais uma vez em
seu poço de amargura e eu devolvi, muito cortês à sua insanidade, uma
singela piscadela de ombros. Levantei o meu chapéu púrpura e larguei ali o meu
castiçal de estimação. Toquei em seus lábios com meus dedos e beijei a
sua mão com meus lábios. Reparei, ela não mais me olhava, estava agora fascinada com o
elegante Nada, que de lá vinha, pela rua abaixo. Chegou sorrindo sem os
dentes e ela retribuiu-lhe o encanto com um aceno de orelha. Ele a pegou
nos braços ocultos e a beijou sugando-lhe para o vácuo profundo e
esquecido. Fiquei uma fera e voei para o seu pescoço com as minhas
pernas. Acertei-lhe em cheio no âmago e o vi cuspir toda indulgência da
carne. Tossiu alto e expeliu o invólucro xucro do desdém. Ri alto na
cara de suas costas e pulei o universo em busca de felicidade. Rodei
horrores naquele dia imenso de final de século. Não vi passar nem sequer
um ônibus com destino ininterrupto à sobriedade. Fui caminhando mesmo,
sabia onde morava o fim, era meu vizinho, sempre do outro lado da vida.
Já estava de noite, de um dia que não mais sabia qual era e pensei em ler
alguma coisa antes que o sol se pusesse. Peguei o primeiro livro que não vi da
estante de CDs e abri na última folha, estava muito escuro e
pude ver claramente escrito em nenhuma das linhas: “você é louco!”
Publicado originalmente no dia 31 de julho de 2010, Sábado.
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