A Lenda...
Existe uma lenda, que diz que um admirável e exuberante dragão, desceu
dos longínquos céus para poder amar plenamente o ser que ele mais admirava em
nobreza e em beldade, uma perfeita ave.
O dragão amava o jeito singelo daquela ave voar, batendo suas assas para forçar a sua subida e planando suavemente para descer. Ficava curioso acerca de suas penas, todas pomposamente sobrepostas de forma a fecharem-se igualmente por todo seu corpo formoso.
Ele via a aerodinâmica daquele lindo espécime e estudava-o da ponta de seu fino bico até o desenho simétrico da cauda... Vê-la rasgar o vento num voo rasante era indizível... e ele ficava lá do alto, admirando-a.
A ave não conhecia o que existia acima das nuvens, muito além de todas elas, não sabia que o voo podia se estender a tanto. Ela não tinha o costume de olhar para o alto, pois já se sentia sempre no topo enquanto voava despreocupadamente. Então, sequer viu quando as nuvens se abriram e o imenso ser mítico aproximou-se pela primeira vez...
O voo do dragão, ao contrário do que todos pensam, assemelha-se a um leve ondular que ele realiza com o seu corpo, pois esse ser milenar não possuía asas e sim um poder inimaginável que lhe dava essa condição. E, assim sendo, ele ondulou pelo espaço até alcançar os ventos e postar-se alguns metros acima do voo daquela linda ave.
- És a mais bela de todas de tua espécie, encantas-me tu com teus perfeitos movimentos e tua magistral sabedoria...
A ave espantou-se e rodopiou pelo ar, pois a voz do dragão parecia o rugir de cem feras e suas palavras ecoaram pelos sete ventos como imensos trovões!
- Como podes afirmar o que não sabes, ó, ser imenso! O que és tu? - ponderou a singela ave que não pôde parar de bater as asas para responder ao incólume dragão.
- Aqui, pouse em minha cauda, ó, rainha dos ares, para que possamos conversar! - afirmou estrondosamente o ser magistral. Este articulava-se sem dificuldades em meio ao nada e estendeu sua parte inferior para servir de ninho para a ave.
Ela assim o fez e pousou na enorme cauda estendida e imóvel, suas penas esvoaçavam lindamente com o agitar dos ventos daquela altura. Eles se olharam. Os olhos daquela ave eram estreitos e vorazes, perfeitamente mortais. Os dele eram gigantescos espelhos das eras, seu olhar era brilhante e musical.
- Sou um dragão, e quero tomar-lhe como companheira, ó, rainha dos ares. - sussurrou o monstro para não ser deseducado, mas mesmo assim sua voz ressoava como uma floresta sendo devastada.
- Acho graça de tuas palavras, ó, titã, mas não há possibilidades de sermos compatíveis.
- O que é mais compatível a nós do que todo o espaço a nossa volta? És bela e tua plumagem me encanta. Não são repugnantes como minhas escamas e esse grossos pelos que saem de minhas ventas...
A ave sorriu com os olhos e ouriçou suas penas no gélido vento. O dragão chiou profundamente, como a liberar um grande estoque de ar que estava em seus pulmões.
- Fico lisonjeada com tuas palavras, oh grande dragão... mas o que queres
tu, com um animal de minha espécie? Não vês que meu voo é apenas entre o espaço e a terra? Não vês que és imenso e que sou esguia perto de ti?Concordas comigo que isto não passa de uma ilusão?
O dragão arfou profundamente e depois respondeu estrondoso:
- Vejo que lhe faltam pequenas coisas como a sensatez, minha cara,
afinal, sou um ser místico, existo para teus olhos apenas e pra nenhum
outro mais. Sendo assim, porque duvidas de minhas intenções para
contigo? Se estou aqui, diante de ti, é para que também me queiras,
assim como lhe quero por milênios até o fim.
- Mas somos tão diferentes e...
- Não estás me ouvindo com atenção, não é uma questão de escolha,
estamos predestinados a uma vida juntos, nascemos para vivermos lado a
lado...
- Perdoe-me então, mas como respondes o fato de vivermos pra sempre juntos se somente tu és imortal?
- És graciosa até em teus equívocos, minha bela. Viveremos a eternidade
de nossos corações, unidos pelo amor que sentimos um pelo outro... por era, milênios, encarnações e pensamentos.
- Como podes saber de meus sentimentos se mal te conheço, fera indômita?
A ave estava admirada, mas não sabia o que aquilo tudo,
surpreendentemente novo, lhe representava. Podia ser verdade o que o
grande dragão lhe dizia? E, como lendo seus pensamentos, o dragão num penetrante e intenso olhar lhe
revelou:
- Olhes tu em meus olhos e responda, podes não desejar a eternidade em experiências inigualáveis e viveres feliz ao meu lado para singrar os céus e o universo apenas com o desejo de teu pensamento? Amo-lhe, pois admiro tua força, tua destreza, tuas habilidades, teu carisma, tua raça de viver e... já estou em ti antes mesmo de descer até aqui para falar-lhe... tu podes ser amada por mim... posso eu, ser amado por ti?
Ela não conseguia encontrar palavras e em silêncio permaneceu. O vento soprou suave e constante enquanto a ave refletia. Ele olhava-lhe as penas lisas que dançavam poeticamente, ela olhava-lhe o tamanho mitológico que se perdia no tempo. Num átimo, era como se tudo sempre tivesse sido e nunca houvesse de ser escolhido...
- Sim – ela respondeu tímida e carinhosamente – podes...
Assim, desde este dia, os céus tomaram outras formas e as nuvens também.
O verde ficou mais verde e a natureza se regozijou em felicidade por
tão bela união. O pensamento perdurou por era e vidas e os dias passaram como simples segundos. O amor ultrapassou o tempo e viveu singelo como um bela lenda...
Publicado originalmente no dia 24 de janeiro de 2010, domingo.