E continuando aquele conto/reflexão que postei há pouco:
- Mas, me diga, o que o aflige?
- Bom, pra começar, não paro de pensar no “conhecer-se”... está se tornando um hábito... estou... estou... preocupado, talvez.
- Hum – exclamou o entrevistador – mas por que pensa tanto nisso?
- Veja – disse interrompendo o outro – toda religião faz esse discurso,
todo mestre prega a mesma filosofia, todo livro de autoajuda tem um
capítulo sobre o assunto, todo ser humano cita esta frase numa
conversa... mas por que diabos as pessoas não se movem na direção deste
conhecimento?
- Olha, tal...
- Não entendo o motivo de tanta hipocrisia, como um assunto pode ser tão
disseminado e nunca ser absorvido. O que mais ouço nas ruas e das
pessoas que eu conheço é “eu sei, eu sei...”, mas se realmente
soubessem não perderiam mais tempo com nada na vida a não ser o
conhecimento de si mesmas.
O entrevistador ficou de cabeça baixa, pensativo, sem contudo perder a
fisionomia de intelectual sabido. Segurava o queixo com a mão esquerda e
o bloco de perguntas com a direita. O entrevistado estava deitado numa
espécie de divã, que na verdade era a sua cama, onde tinha a maioria de
suas reflexões. Ficaram calados por alguns minutos e por fim
continuaram.
- Quer me dizer por que é que você acha que as pessoas têm que se
conhecer, por que é que você pensa que alguém quer isso para própria vida?
Riu com escárnio, fortemente, debochou da pergunta, mas mesmo assim respondeu.
- E por que não?! – exaltando o absurdo – Se todos só falam nisso, por
qual motivo não iriam praticar o que acreditam? Por que é que...
- Pare de bancar o tolo – disse em bom som o entrevistador – quem você
conhece que pratica o que prega? Quem é que dá atenção a isso? Quem se
importa ou não em se conhecer?
As palavras reverberavam pela sala (quarto) até atingirem o nada. Os
dois permaneceram em silêncio por, talvez, horas. As sombras da tarde
tomavam as luzes da janela. O silêncio se partiu.
- É um caminho de solidão. Sempre ouvi isso também – disse o
entrevistado – sempre soube e venho me acostumando cada dia mais. Quando
estou escrevendo, quando realmente estou escrevendo, me sinto
confortável na presença da solidão. Bem da verdade a prefiro. – levou os
braços para trás, entrelaçou os dedos e colocou as mãos por sob a cabeça – Começo a entender o que realmente me importa. Não sinto medo, receio talvez, um
pouco de dúvida, mas não penso em voltar atrás.
- Só se sente assim quando escreve?
- Não mais, às vezes quando estou caminhando, lendo, conversando,
ouvindo música... eu estou lá em uma tarefa, daí eu começo a prestar
atenção... é, é essa a palavra: atenção. Começo a prestar atenção na minha
respiração e percebo o quê de fato estou fazendo. Quando acontece isso eu não consigo
mais agir normalmente, sabe? Eu começo a me questionar sobre o que está
acontecendo ali, naquele instante. Ouço o ruído do ar perpassando minhas
narinas e concentro nisso e, se alguma outra coisa acontece à minha
volta ou alguém fala comigo, é como se isso não mais importasse. Ali,
naquele instante, o que vale é a intensidade com que eu entendo o
momento. Penso muito nisso, parece que nada existe, sabe?
Não ouviu resposta. Olhou para trás onde estava, outrora, o
entrevistador. Nada mais estava ali além de si mesmo. E, mesmo achando
estranho, não se incomodou. Já não era a primeira vez, não seria a
última.
Publicado originalmente no dia 2 de julho de 2010, Sexta-feira.
A vontade de nos conhecermos sempre esteve em alta, ao menos para aqueles que se dedicam ou se importam. Ainda vejo muitos buscando o autoconhecimento externamente, nunca em si mesmos. Parar, respirar, refletir, está se tornando um privilégio de poucos. As religiões e alguns falsos gurus continuam disseminando essa necessidade, reivindicando - para si próprios - a luz e o caminho, como se eles fossem a solução para a tal "salvação". Não se iludam, a verdade não está lá fora - como diria Chris Carter - está num lugar muito mais fácil de se acessar e bem mais profundo. Outorgar o seu autoconhecimento para terceiros debilita a sua capacidade de ser por si mesmo. Não acreditem nos falsos profetas. Só você pode conhecer a si mesmo, ninguém pode te conhecer por você. Respire...
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